Procura-se interessados para trabalhar temporariamente por 36 horas ininterruptas, em um ambiente de extrema competitividade, ao mesmo tempo com muito cooperativismo.

Algumas exigências para quem topar o desafio são: ter vontade de aprender, exercitar a criatividade, não poder sair do escritório por esse período, trabalhar em equipe, não se importar se for preciso almoçar, jantar e tomar café da manhã na mesa do trabalho. Mesmo assim, todos que vão trabalhar devem adorar a oportunidade.

O "salário":  varia, pode ser de R$ 10 mil se a equipe que você trabalhar vencer uma disputa interna entre os demais "trabalhadores". Em alguns casos, dá também para receber se o time terminar em segundo lugar. As demais colocações não tem valor a ser pago. Em compensação, o que fica é a experiência extrema que cada participante vai obter. De quebra, tem chance também de conhecer gente interessante que pode render uma parceria de negócio ou mesmo convite para outro trabalho mais convencional.

Anúncio assim ainda não é tão comum aqui em Mato Grosso do Sul, mas está começando a surgir oportunidades. Entre 2015 e este ano já foram dois hackthons, como é chamado essa proposta que surgiu no começo dos anos 2000 na América do Norte, com eventos no Canadá e Estados Unidos. A ideia é reunir grupo de profissionais, fazê-los desligar do mundo e focar em trabalhos específicos e buscar iniciativas novas e, quem sabe, revolucionárias.

Hackthon é a junção das palavras hacker (que pode ser trazido em alguém muito experiente em uma área, não só de computação) com maratona (marathon).

Em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e outros centros urbanos os hackthons estão disseminando-se em diferentes áreas.

O mais comum é a realização dessas "maratonas" para desenvolver programas de computador ou aplicativos de celulares. "O hackthon não é uma prática nova, mas para nós aqui é algo que está surgindo. Hoje dá para promover hackthons em várias áreas. Entre jornalistas, artistas, desenvolvedores. A prática está expandindo-se", analisa Marcelo Siqueira, desenvolvedor e empresário, que foi um dos organizadores do primeiro hackthon de Campo Grande.

Siqueira é uma referência no Estado nesse assunto porque já participou e também foi mentor em eventos como da IBM, da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e do governo de Mato Grosso.

Em Mato Grosso do Sul, até onde se tem notícia, só foram realizados dois hackthons. Um em Dourados, promovido pela Universidade Estadual de MS (UEMS), ano passado, apenas com universitários; e outro na Capital, que aconteceu nos dias 2 a 4 e foi organizado pela concessionária Águas Guariroba, com apoio do Living Lab, espaço ligado ao Sebrae e que serve para desenvolver ideias de negócios e startups.

"A ideia é colocar a pessoa em uma imersão. Ali é para testar todos os limites, aprender coisas novas, trocar informações entre mentores e outros participantes", explica Marcelo Siqueira.

EM BUSCA DE NOVIDADES

A empresa concessionária do serviço de água em Campo Grande promoveu o evento neste ano para tentar encontrar tecnologia para dois tipos de gargalos que enfrenta: diagnóstico de vazamentos e atendimento e comunicação com os clientes.

“Nosso objetivo em comum é a inovação. Queremos incentivar as novas ideias e para melhorar os serviços de saneamento básico e também incentivar os profissionais e negócios na área de tecnologia”, comenta o engenheiro ambiental Fernando Garayo Jr, mentor da Águas Guariroba.

Marcelo Siqueira aponta que as empresas conseguem economia com tecnologias desenvolvidas em eventos como esse. "A gente precisa ser criativo na hora da crise. Muitas soluções, fora de um hackthon podem sair muito mais caro ou, às vezes, sequer existir."

O presidente da empresa, Guillermo Deluca, reconhece que as propostas apresentadas podem ser contratadas em qualquer uma das unidades da holding da Egea Saneamento, que aglutina a Águas Guariroba e outros negócios em 44 municípios. "Qualquer inovação ou tecnologia que se desenvolva e seja realmente eficiente pode ser replicada em qualquer uma dessas cidades. É uma bela possibilidade para desenvolver e fomentar novas empresas”, afirma.

Por conta do potencial de negócios, a Águas ofereceu R$ 10 mil de prêmio para o primeiro lugar e R$ 3 mil para a segunda melhor proposta. No hackthon da Capital quatro equipes acabaram sendo finalistas, duas em primeiro e outras duas na segunda colocação. Os valores foram referentes apenas à premiação pelas melhores ideias. A contratação dos projetos envolvem nova negociação, ou seja, os produtos viraram oportunidade de trabalho.

AÍDA SÓ PARA TOMAR BANHO

Nesse primeiro hackthon da Capital, 73 profissionais participaram. Depois que entraram no Living Lab, que fica perto da sede do Sebrae na Avenida Mato Grosso, só tiveram direito a sair do local por duas horas para irem para casa tomar banho. No espaço, não havia chuveiro para os concorrentes da "maratona criativa".

Até mesmo dormir, para quem quisesse se "aventurar" com isso, era necessário usar sala de descanso montada no prédio ou achar espaço na mesa de trabalho mesmo.

"A gente acaba mesmo esquecendo o mundo aqui fora. A troca de ideias é muito grande. A gente não fica acordado porque está tomando café ou energético, mas porque você fica muito pilhado em resolver o que se propõe. Eu cheguei em casa no domingo, depois de ter dormido nem duas horas, e nem me senti cansado. Só fui para cama mesmo depois da meia-noite", lembra o engenheiro mecatrônico Pedro Lucas Santos Sampaio Rocha, 25 anos, que estava na equipe Aqua Solution, campeã em proposta para diagnóstico de vazamento.

PRIMEIROS PASSOS

Marcelo Siqueira, que atua como mentor na Living Lab, iniciativa que tenta impulsionar starups em Mato Grosso do Sul, e participou da organização do hackthon em Campo Grande, analisa que há um caminho aberto para o Estado receber mais iniciativas que promovam produção criativa.

 

"A gente fez esse projeto (da primeira maratona criativa na Capital) para fomentar o mercado. As equipes que participaram podem vender o produto, podem melhorar a sociedade", defende.

Para ele, mudanças mais significativas podem surgir no médio prazo. Mas antes, será necessário unir diferentes ações que acontecem separadas principalmente em Campo Grande. A conexão de projetos de universidades seria um dos passos para dar mais corpo nesse cenário de incentivo à tecnologia no Estado, sugere.

"A gente precisa mudar e para conseguir chegar no topo, precisa escalar. Estamos começando. Talvez questão de três a quatros pode ser vista uma situação bem diferente. O Living Lab tenta fazer algo. Existem também vários projetos pequenos que talvez precisam se conectar."

Fonte: Correio do Estado, 12 de dezembro de 2016.