Adoção de medidas preventivas auxilia nos argumentos de defesa para as empresas.

Giovanna Parga Martinez

ACovid-19 afetou a saúde mental das pessoas. Isolamento social, sensação de insegurança e incertezas geradas pelos impactos da pandemia marcaram a vida da população mundial. Por outro lado, em uma perspectiva mais positiva, tais fatores contribuíram para uma mudança na mentalidade das organizações e das pessoas sobre a relevância da saúde mental.

Ao longo desses cinco anos pós-pandemia, o “tabu” sobre o tema parece estar se reduzindo e uma certa consciência é despertada sobre a necessidade de cuidar do bem-estar. Talvez, por esse motivo, os dados indiquem um crescimento nos afastamentos previdenciários, sendo estimado um aumento de 68% em dez anos[1].

Ministério da Previdência Social[2] aponta que, dos 179.991 auxílios por incapacidade temporária de natureza acidentária (B91) concedidos em 2024, 5% (9.827) estão diretamente atrelados a transtornos mentais e comportamentais. De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas)[3], a depressão ocupa o primeiro lugar, sendo duas vezes mais comum em mulheres do que homens.

Neste contexto, a concessão de benefícios relacionados ao bem-estar passou a ser uma prática de mercado, sendo oferecidos por nove a cada dez empresas, com base na pesquisa da Mckinsey Health[4]. Os benefícios incluem, por exemplo, o subsídio de sessões psiquiátricas e/ou psicológicas, parcerias com academias, meditação e massagem, participação em grupos de corrida e a concessão de folgas sem desconto em salário.

Nessa toada, em agosto de 2024, o governo federal complementou a Norma Regulamentadora 1, do Ministério do Trabalho e Emprego, determinando que as empresas passem a analisar, identificar, prevenir e mitigar riscos psicossociais aos quais seus trabalhadores (inclusive terceirizados) possam estar expostos.

Isso significa que, além dos agentes de risco físicos, químicos, biológicos e acidentes, a nova redação da NR expande o escopo do reporte dos agentes ergonômicos junto aos Programas de Gerenciamento de Riscos (PGR), incluindo fatores que possam afetar a saúde mental dos trabalhadores (diretos e indiretos), o que inclui estresse, ambiente de trabalho não acolhedor e sem apoio ao crescimento profissional, exposição a situações de assédio e conflitos internos recorrentes, baixos salários e submissão a jornadas extenuantes.

No entanto, essa introdução trouxe polêmicas e um certo nível de complexidade aos empregadores, tanto é que o MTE recentemente postergou a vigência dessa determinação para 26 de maio de 2026.

Isso porque, entre outros, a nova redação da NR-1 tem o potencial de configurar uma doença mental em doença ocupacional, o que torna essencial o envolvimento de equipe técnica multidisciplinar para avaliar a existência, ou não, de nexo de causalidade entre a doença de natureza psicossocial e as atividades profissionais do empregado. A norma já previa a possibilidade de interrupção das atividades enquanto não sanado o risco grave e iminente à vida ou à saúde reportado pelo trabalhador.

Adicionalmente, a partir do momento em que tenham a obrigação de identificar, detalhar, graduar a severidade, probabilidade e níveis dos riscos psicossociais, as empresas também terão que endereçar temas difíceis e sensíveis, a exemplo da necessária prontidão e o plano de ação a ser executado em situações envolvendo o suicídio de empregados. Neste tópico, ressalta-se a existência de decisões proferidas pela Justiça do Trabalho condenando empresas ao pagamento de indenização por danos morais[5].

Como consequência de serem inclusos na categoria de “agentes ergonômicos”, é esperado que o Governo também aproveite a prorrogação da vigência da norma para atualizar os sistemas e/ou os manuais de orientação, de forma que, no futuro, os riscos psicossociais identificados pelas empresas também sejam automaticamente refletidos no eSocial (nos eventos de Segurança e Saúde no Trabalho – SST) e nos Perfis Profissiográficos Previdenciários Eletrônicos (PPP)[6] dos trabalhadores, como forma de auxiliar os procedimentos para a concessão de benefícios previdenciários.

Mesmo que a sua vigência seja “apenas” a partir de 2026, não se pode perder de vista que a lei é expressa ao impor aos empregadores o dever por zelar pelo ambiente do trabalho.

Assim, as empresas ainda podem estar sujeitas a fiscalizações dos auditores do trabalho, em especial aquelas que atuam nos setores considerados prioritários pelo MTE (a exemplo do teleatendimento, bancos e estabelecimentos de saúde[7]), para constar, entre outras, as condições de conforto no ambiente de trabalho e à própria organização do trabalho, tal como já dispõe a NR-17 (que dispõe sobre ergonomia).

Discussões sobre a validade de dispensas de trabalhadores (seja em razão de eventual direito à estabilidade de emprego após o retorno de auxílio-doença ou presunção de implementação de desligamento “discriminatório” de empregados que portam doenças mentais, como depressão e transtorno de bipolaridade), sobre o direito ao recebimento de indenização por danos morais, assim como questionamentos por parte do Ministério Público do Trabalho e/ou entidades sindicais sobre as práticas adotadas pelas empresas (que podem culminar em ações coletivas) não podem ser descartados mesmo antes da vigência da nova redação da NR-1.

Na perspectiva da gestão de pessoas, a qualidade do ambiente de trabalho também impacta diretamente nos índices de retenção, engajamento e produtividade. Os estudos da Mckinsey Health também apontam que o comportamento tóxico é o principal causador de resultados negativos, como intenção de demissão (73%), burnout (70%), angústia (69%), depressão (64%) e ansiedade (62%)[8].

Por esse motivo, a adoção imediata de medidas preventivas, como a conscientização dos empregados e treinamento da liderança, criação de dinâmicas que fortaleçam o vínculo entre as pessoas (happy hours, off sites, cafés da manhã temáticos, grupos de corrida) e de espaços em que os trabalhadores possam ser ouvidos (canais de denúncia) de forma transparente, séria e confidencial, a análise do pacote remuneratório e o encorajamento à fruição efetiva de períodos de descanso (férias, pausas, intervalos entre e intrajornadas) e ao equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, não apenas auxiliam nos argumentos de defesa para as empresas, na perspectiva jurídica, como também são relevantes e contribuem para o pilar ESG na formação de uma sociedade mais equânime, segura e saudável.


[1] https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2025/03/10/crise-de-saude-mental-brasil-tem-maior-numero-de-afastamentos-por-ansiedade-e-depressao-em-10-anos.ghtml

[2] https://www.gov.br/previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-social/saude-e-seguranca-do-trabalhador/acidente_trabalho_incapacidade/tabelas-cid-10

[3] https://www.paho.org/pt/topicos/saude-mental

[4] https://www.mckinsey.com.br/our-insights/all-insights/burnout-voce-esta-resolvendo-o-problema-certo

[5] “ASSÉDIO MORAL. ADOECIMENTO OCUPACIONAL. DANOS MORAIS. 1. O assédio moral é configurado quando o empregador ou seus prepostos, por meio de atos repetidos ou de ocorrência única, atingirem negativamente a dignidade psíquica do trabalhador, de forma a abalar o ambiente de trabalho, tornando-o inóspito para o indivíduo. 2. A importância do tema é reforçada pela Convenção 190 da OIT, que reconhece o direito de todas as pessoas a um futuro do trabalho livre de assédio e violência. Embora ainda não esteja ratificada pelo Brasil, a convenção constitui fonte material do direito (art. 8º da CLT). 3. No caso, o adoecimento mental grave da autora, com episódio de tentativa de suicídio, está diretamente relacionado ao assédio moral sofrido no trabalho. Além de ser apelidada com epítetos desqualificantes, como “mimosa” e “cobra”, a autora era tratada com excessivo rigor pela chefia, degradando o ambiente de trabalho. 4. Diante do ato ilícito praticado pela empregadora, a reparação civil é medida que se impõe.” (TRT 3ª Região, 1ª Turma, Processo: ROT 0010298-95.2023 .5.03.0047, Relator.: Juíza Convocada Renata Lopes Vale, Data do Acórdão: 19/07/2024)

“DOENÇA OCUPACIONAL. TRANSTORNO DO PÂNICO. TRANSTORNO MISTO ANSIOSO E DEPRESSIVO. DEVER DE INDENIZAR DA RECLAMADA. Demonstrado o nexo causal/concausal entre a doença do reclamante e as atividades por ele desenvolvidas na empregadora, devido o pagamento de indenização por danos morais.” (TRT 4ª Região, 3ª Turma, Processo: ROT 00202880520225040731, Data de Julgamento: 11/07/2024)

[6] PPP é um documento que indica o histórico de trabalho do trabalhador, que reúne, entre outras informações, dados funcionais administrativos, registros ambientais e resultados de monitoração biológica durante toda relação de emprego, elaborado de acordo com o modelo instituído pelo INSS.

[7] https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2024/Novembro/empresas-brasileiras-terao-que-avaliar-riscos-psicossociais-a-partir-de-2025

[8] Pesquisa de Saúde Mental e Bem-Estar dos Funcionários do McKinsey Health Institute (2022), realizada em 15 países


Giovanna Parga Martinez é advogada e head da área trabalhista do escritório Mello Torres. Formada em Direito pela PUC-SP, é pós-graduada em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EDP) e MBA em Desenvolvimento Humano de Gestores pela FGV

DM TEM DEBATE

https://www.dmtemdebate.com.br/saude-mental-dos-trabalhadores-e-as-alteracoes-na-nr-1/