Alex de Freitas Rosetti

A prevenção de acidentes deve ir além do cumprimento legal, integrando-se à governança corporativa como valor estratégico para a proteção da vida e a reputação empresarial.

Em um país que contabiliza centenas de milhares de acidentes de trabalho a cada ano, o Dia Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, celebrado em 27 de julho, deve ser mais do que uma data simbólica: trata-se de um ponto de inflexão. Um convite firme - e inadiável - para que lideranças empresariais revisitem suas prioridades, reavaliem a cultura organizacional e assumam, com responsabilidade efetiva, o compromisso com a integridade daqueles que constroem diariamente os resultados do negócio.

Durante muito tempo, prevenir significou apenas cumprir protocolos: distribuir EPIs, emitir laudos, assinar programas. Mas o tempo do formalismo se esgotou. A prevenção que realmente protege exige estratégia, consciência e posicionamento institucional. E as empresas que compreendem isso não apenas evitam passivos - constroem uma cultura que preserva vidas, projeta confiança e gera valor duradouro.

Do cumprimento ao compromisso: a evolução necessária

A legislação brasileira - especialmente a CLT e as NRs - estabelece um conjunto de deveres inquestionáveis aos empregadores: assegurar ambientes seguros, mapear e mitigar riscos, implementar programas de saúde ocupacional e promover a capacitação contínua das equipes. Trata-se do ponto de partida. Mas, para empresas que almejam relevância e longevidade, proteger a vida e promover o bem-estar de suas equipes deve estar no centro das decisões estratégicas - e não na margem da burocracia.

O ambiente empresarial contemporâneo é avaliado por critérios que vão além da formalidade documental. Ética, responsabilidade socioambiental e cultura preventiva estão no núcleo da reputação corporativa. Investidores, contratantes, clientes e colaboradores estão atentos. E esperam mais do que reações. Esperam liderança.

As organizações que compreendem a prevenção como expressão de governança não apenas cumprem normas: transformam exigências em cultura, riscos em reputação e conformidade em valor competitivo. É nesse espaço - entre a obrigação legal e o propósito institucional - que se constrói a verdadeira vantagem estratégica.

Os ganhos invisíveis da prevenção

Acidentes de trabalho impõem custos tangíveis: indenizações, afastamentos, reestruturações emergenciais, perda de produtividade. Mas seus efeitos mais profundos - e, portanto, mais perigosos - são os que não aparecem nos balanços contábeis.

Há impactos silenciosos que fragilizam, de dentro para fora, a estrutura da empresa:

A erosão da confiança nas lideranças;
O desgaste da imagem perante clientes e parceiros;
A queda no engajamento e no senso de pertencimento das equipes;
O aumento da rotatividade e a dificuldade de reter talentos;
A desconexão com práticas esperadas por padrões ESG.
Segundo o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, o Brasil registra mais de 600 mil acidentes laborais por ano. Mesmo os casos menos graves sinalizam falhas evitáveis e lacunas de gestão. Cada incidente é uma oportunidade perdida de demonstrar cuidado, planejamento e coerência institucional.

Em um ambiente em que empresas são avaliadas não apenas por seus produtos, mas pelos valores que sustentam suas decisões, a omissão custa caro - e o preço, muitas vezes, é a confiança.

Segurança como ativo institucional

Organizações que incorporam a saúde e a segurança como valores estruturais - e não como respostas pontuais - superam a lógica defensiva da conformidade e ingressam em um patamar superior de gestão.

São essas empresas que:

Alcançam posições de destaque em auditorias, certificações e concorrências qualificadas;
Tornam-se parceiras preferenciais de investidores e contratantes sensíveis à integridade operacional;
Demonstram boa-fé e diligência reconhecidas no contencioso trabalhista e na gestão de riscos;
Constroem marcas sólidas, coerentes e legitimadas socialmente.
Em um mercado guiado por transparência, responsabilidade e consistência, a prevenção se consolida como um ativo intangível de alta relevância. Ela comunica visão, respeito à vida humana e compromisso com o futuro.

O jurídico como força estruturante da cultura preventiva

A construção de uma cultura preventiva duradoura exige articulação entre múltiplas áreas. E o jurídico, embora muitas vezes atuando nos bastidores, é um dos pilares desse processo. Integrado ao RH, ao SESMT e às lideranças operacionais, o setor jurídico contribui para:

Validar tecnicamente práticas e políticas internas;
Antecipar riscos legais e evitar conflitos normativos;
Fortalecer a governança institucional com base em critérios de conformidade e sustentabilidade.
Essa constatação nasce da prática: em mais de duas décadas assessorando empresas dos mais diversos segmentos, é evidente que as que tratam a prevenção como eixo de gestão colhem resultados consistentes, sustentáveis e alinhados ao seu propósito empresarial - com respeito genuíno à vida e à dignidade do trabalho.

Conclusão: o legado de uma nova mentalidade empresarial

Neste 27 de julho, mais do que relembrar estatísticas ou cumprir rituais formais, é tempo de agir com coragem, lucidez e visão de longo prazo. Prevenir acidentes não é apenas proteger vidas - é consolidar, na prática, os valores que sustentam empresas éticas, humanas e competitivas.

Empresas que fazem da cultura preventiva uma diretriz permanente não apenas evitam riscos: elevam seu padrão de gestão, atraem parceiros estratégicos e conquistam legitimidade perante um mercado cada vez mais exigente e consciente.

Ir além da conformidade legal é um gesto de liderança silenciosa, mas profundamente transformadora. É o que distingue negócios que reagem dos que inspiram. Os que operam no presente dos que constroem o futuro.

A prevenção não é custo. É escolha. É legado.

E quem escolhe cuidar, escolhe permanecer.


Alex de Freitas Rosetti
Advogado sócio do escritório Cheim Jorge & Abelha Rodrigues Advogados Associados. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes e especialista em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Atua nas áreas Consultiva e Contenciosa em Direito do Trabalho, Processual do Trabalho e Previdenciário.

MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/435149/prevencao-de-acidentes-protecao-a-vida-e-vantagem-competitiva